Por André Honor
Escrevo aqui as minhas lembranças de um ano que explicam todo o meu sentimento. Nunca entendi porque as eleições me abalam tanto. Hoje, começo a compreender o porquê.
Sou caçula de uma família, com um irmão imprensado e uma irmã primogênita. Pai, caixa do Banco do Brasil e mãe, dona de casa.
Sempre tivemos uma vida modesta. Morando em lugares pequenos, comprando Tvs, videocassetes e sons por meio de consórcios. Até que um dia conquistamos uma casa própria comprada com o FGTS do meu pai na cidade de Barbalha-CE. Uma casa boa, ideal para nós: três quartos.
Com muito esforço, meu pai financiou um apartamento em João Pessoa em 1995 onde minha irmã foi morar dividindo as despesas diárias com amigas e uma prima.
Eu fazia 8ª série, meu irmão 1º ano. Os planos eram, no ano seguinte meu irmão iria morar com minha irmã e eu ficaria mais um ano com meus pais.
E veio o PDV – Pedido de Demissão Voluntária – do governo de Fernando Henrique Cardoso. O discurso era que os caixas eletrônicos substituiriam os funcionários.
Tento agora resgatar os fatos cuja memória foi bloqueada mas que a dor ficou guardada. Tinha recém-completos 14 anos, soube que meu pai havia sido sorteado e que portanto ele teria que ou pedir demissão ou pedir transferência. Havia um prazo para isso. Não sei ao certo o que aconteceria se o prazo estourasse. Notícias vinham de suicídio de colegas de banco, e de funcionários que tinham sido transferidos para longe de suas famílias. História mais tristes que a minha, das quais não tenho competência para narrar.
Durante dois meses meu pai trazia listas de cidades com vagas... Pará, Roraima, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins... Cada lugar mais longe do que o outro. Toda nossa família morando no interior no Crato-CE, inclusive minhas duas avós. E ele lia aquelas listas, eu espiava. Brochuras de companhias de mudanças chegavam aos montes na minha casa. Uma dor que lentamente era injetada em mim. Imperceptível. Meu pai sempre tranquilo, relutava em ir para o sul por causa do frio e da sinusite de minha mãe. E por causa da saudades, porque para ele, o Crato sempre foi o seu coração.
Eu manuseava aqueles papeis e lembro que tínhamos um prazo. Meus pais tentaram ao máximo nos proteger do que ocorria. Minha irmã estava longe. Porém, eu e meu irmão estávamos lá. E até hoje não sei a dor dele, nunca falamos sobre isso. Acho que ele carrega ainda mais do que eu as marcas do que aconteceu. Eu hoje vejo que não entendia bem o que se passava, nem como aquela desumanização de uma família iria ficar gravada no meu peito.
Um dia antes do prazo estourar e irmos morar em São José dos Pinhais no Paraná, meu pai conseguiu uma vaga em Conceição-PB... A mudanças foi feita rapidamente, eu fui morar na casa da minha tia em Barbalha, meu irmão na casa da minha avó no Crato, meus pais em Conceição, minha irmã e m João Pessoa.
E minha mãe, a dona de casa se viu numa cidade minúscula, sem os filhos, com o marido trabalhando o dia todo. Sozinha. Ela dizia estar ótimo lá, cheio de amigos, mas não era verdade. Ela ficava só. Até hoje digo que minha cachorrinha Lady, salvou minha mãe. Ela foi a companhia quando eu não pude ser.
Ao fim do ano de 1995, eu e meu irmão fomos morar com minha irmã em João Pessoa. Tinha 14 anos. E era tudo muito cedo. Cedo demais. Alguma coisa havia se quebrado. A adolescência gritava e eu tinha de ser adulto. E assim foi. Não passávamos fome, mas lembro de um dia que jantamos sopa de ovo e almoçamos pão com doce de leite.
Meu pai queria o que não lhe foi permitido, nem a ele, nem a minha mãe. Filhos formados. Os dois conseguiram. Hoje tem três filhos formados.
Entrei para faculdade de História em 2002. Vi uma UFPB renascer das cinzas. De falta de professores, de salas, equipamento, para uma universidade que em 2006, o departamento de História rejeitou computadores porque já não necessitava. E abriram o mestrado. E surgiu o Reuni e a oportunidade do doutorado. Bolsa-sanduíche em Lisboa. Para quem nunca tinha imaginado que um dia andaria de avião, morar em Lisboa foi realizar um impensável para o terceiro filho de funcionário comum do Banco do Brasil.
Concluí o doutorado em História em Dezembro de 2013. E não creio que tenha sido mérito pessoal. Meu esforço conta, mas se não fosse a política do PT não teria tido a chance. meu pai entrou para um programa de aposentadoria mais cedo do Banco e hoje possui uma nova casa própria.
E ao lembrar tudo isso, talvez você não recorra às lágrimas como faço. Talvez não se comova com nenhuma dessas palavras. Mesmo com os dentes trincados, respeito isso. Mas nunca duvide da minha dor genuína e do fato que o PSDB desmanchou a minha família e o PT a reconstruiu nesses últimos doze anos. Desejo do fundo do meu coração, que oxalá a sua não passe pelo que passou a minha.
Não seja ingênuo. A política move o mundo. Ninguém, nesse mundo de capitalistas, tem direito a nada. Nem mesmo oportunidades. O PT deu essa oportunidade. E é hora de reconhecermos isso, para lutarmos por mais.
Espero, pai, que no dia 26, a história de 2010 se repita. E você me ligue novamente dizendo: “Filho, eu te amo, trabalhei na vitória de Dilma por você.” E quem sabe assim, eu posso realizar o nosso sonho de ter um filho professor universitário.
Obrigado ao PT, em especial a Dilma e Lula.
Com muito amor,
André Honor
Dedico essa carta a todas as famílias de funcionários da USP que hoje enfrentam um processo de PDV.
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