16/04/2016

INDIRETAS JÁ


Domingo tem eleição? Tem sim, Senhor. É isso mesmo. A pergunta que corre o Brasil, noves fora a hipocrisia, é de quantos votos Temer precisa para ser eleito presidente no domingo.

Nesta eleição, o PMDB tem candidato único, a ser sufragado pelo Colegiado Eleitoral. Voltaram as eleições indiretas no Brasil. Faz tempo já que não víamos uma, a última foi em 1985, Tancredo Neves x Maluf, quando 686 pessoas decidiram o pleito. No primeiro turno da eleição de 2016, neste domingo, 513 membros do Colégio Eleitoral terão o privilégio de decidir no lugar de 200 milhões de brasileiros e de 143 milhões de eleitores. Antes, terão o privilégio de invalidar o voto direto dado pela maioria dos 105 milhões que livremente escolheram ir às urnas.

Bem, infelizmente, sou de uma geração que não pode fingir que eleições indiretas sejam uma novidade. Em 1964 • 1966 • 1969 • 1974 • 1978, além de 1985, o nosso direito de escolher o presidente foi usurpado, como agora, por alguns poucos privilegiados. 361 elegeram Castelo Branco, 294 escolheram Costa e Silva, Médici foi o preferido de 293, Geisel foi feito presidente por 400, 355 elegeram Figueiredo, 480 foi bastante para Tancredo Neves. Michel Temer pode ser eleito neste domingo por apenas 342 votos, menos que Geisel e Figueiredo.

Reza a lenda que o fim do ciclo das eleições feitas por Colégios Eleitorais formados por representantes eleitos foi resultado de um grande movimento cívico chamado "Diretas Já", que virou o Brasil entre 1983 e 1984. Não foi sem luta nem sacrifício que tomamos de volta do Congresso o nosso direito de escolher diretamente o presidente da República. Por sua vez, 2015-2016 será lembrado como aquele momento em que o povo foi às ruas, com o apoio do sistema político, de organizações da sociedade civil e de grande parte do jornalismo para reivindicar "Indiretas Já". Neste domingo daremos um grande passo nesta direção ao conceder, de novo, ao Congresso o direito de funcionar como Colégio Eleitoral. Uma parte da sociedade, em conluio com o Congresso, que é o maior beneficiário desta decisão, exigiu e pretende obter a anulação da decisão tomada por maioria eleitoral em 2014. É simples assim.

Não, não é por crime de responsabilidade. Ninguém mais se lembra disso. Como em qualquer eleição, faz tempo que estamos apenas de olho nas pesquisas e contando os votos. Domingo é dia de eleição, sim Senhor. Candidato único (como Costa e Silva em 1966 e Médici em 1969) Michel Temer precisará de apenas 342 votos para começar a ser eleito o 41º presidente do Brasil. Parabéns aos envolvidos. A democracia volte vinte casinhas e fique uma vez sem jogar.

O governo Temer não existirá


A partir de segunda-feira (18), o Brasil não terá mais governo. Na democracia, o que diferencia um governo do mero exercício da força é o respeito a uma espécie de pacto tácito no qual setores antagônicos da população aceitam encaminhar seus antagonismos e dissensos para uma esfera política. Esta esfera política compromete todos, entre outras coisas, a aceitar o fato mínimo de que governos eleitos em eleições livres não serão derrubados por nada parecido a golpes de Estado.

É claro que há vários que dirão que o impeachment atual não é golpe, já que é saída constitucional. Nada mais previsível que golpe não ser chamado de golpe em um país no qual ditadura não é chamada de ditadura e violência não é chamada de violência. No entanto, um impeachment sem crime, até segunda ordem, não está na Constituição. Um impeachment no qual o "crime" imputado à presidenta é uma prática corrente de manobra fiscal feita por todos os governantes sem maiores consequências, sejam presidentes ou governadores, é golpe. Um impeachment cujo processo é comandado por um réu que toda a população entende ser um "delinquente" (como disse o procurador-geral da República) lutando para sobreviver à sua própria cassação é golpe. Um impeachment tramado por um vice-presidente que cometeu as mesmas práticas que levaram ao afastamento da presidenta não é apenas golpe, mas golpe tosco e primário.

Temer agora quer se apresentar como líder de um governo de "salvação nacional". Ele deveria começar por responder quem irá salvar o povo brasileiro dos seus "salvadores". Seu partido, uma verdadeira associação de oligarquias locais corruptas, é o maior responsável pela miséria política da Nova República, envolvendo-se até o pescoço nos piores casos de corrupção destes últimos anos, obrigando o país a paralisar todo avanço institucional que pudesse representar riscos aos seus interesses locais. Partido formado por "salvadores" do porte de Eduardo Cunha, Renan Calheiros, José Sarney, Sérgio Cabral e, principalmente, o próprio Temer. Pois nunca na história da República brasileira houve um vice-presidente que conspirasse de maneira tão aberta e cínica para derrubar o próprio presidente que o elegeu. Em qualquer país do mundo, um político que tivesse "vazado" o discurso no qual evidencia seu papel de chefe de conspiração seria execrado publicamente como uma figura acostumada à lógica das sombras. No Brasil de canais de televisão de longo histórico golpista, ele é elevado à condição de grande enxadrista do poder.

Mas não havia outra chance para tal associação de oligarcas conspiradores. Afinal, eles sabem muito bem que nunca chegariam ao poder pela via das eleições. Esta Folha publicou pesquisas no último domingo que demonstravam como, se a eleição fosse hoje, Lula, apesar de tudo o que ocorreu nos últimos meses, estaria à frente em vários cenários, Marina em outros. O eixo central da oposição golpista, a saber, o PSDB, não estaria sequer no segundo turno. Temer, que deveria também ser objeto de impeachment para 58% da população, oscilaria entre fantásticos 1% e 2%. Estes senhores, que serão encaminhados ao poder a partir de segunda-feira, têm medo de eleições pois perderam todas desde o início do século. Há de se perguntar, caso fiquem no poder, o que farão quando perceberem que poderão perder também as eleições de 2018.

Os que querem comandar o país a partir de segunda-feira aproveitam-se do fato de o país estar em uma divisão sem volta. Eles governarão jogando uma parte da população contra a outra para que todos esqueçamos que, na verdade, são eles a própria casta política corrompida contra a qual todos lutamos. Diante da crise de um governo Dilma moribundo, outras saídas, como eleições gerais, eram possíveis. Elas poderiam reconstituir um pacto mínimo de encaminhamento de antagonismos. Mas apelar ao poder instituinte não passa pela cabeça de quem sempre sonhou em alcançar o poder por usurpação.

Diante da nova realidade que se anuncia, só resta insistir que simplesmente não há mais pacto no interior da sociedade brasileira e que nada nos obriga à submissão a um governo ilegítimo. Nosso caminho é a insubmissão a este falso governo, até que ele caia. Este governo deve cair e todos os que realmente se indignam com a corrupção e o desmando devem lutar sem trégua, a partir de segunda-feira, para que o governo caia e para que o poder volte às mãos da população brasileira. Àqueles que estranham que um professor de universidade pública pregue a insubmissão, que fiquem com as palavras de Condorcet: "A verdadeira educação faz cidadãos indóceis e difíceis de governar". Chega de farsa.