24/05/2014

Visita para o café


Ela chegou como qualquer visita inesperada. Sem dia, sem hora e sem jeito.  Abusada que é chegou achando-se no direito de colocar os outros hóspedes da casa em constrangimento. Foi aí que eu decidi conversar com ela. Hoje a Tristeza veio me visitar.

Desesperei, mas não senti Medo. Não tenho mais Medo da Tristeza. Não tenho. Depois de me acalmar resolvi bater um papo com ela.

Senhora é o seguinte: Não posso te abrigar aqui. Não posso. A casa está cheia de outros hóspedes e não há mais vagas. Posso ficar contigo somente essa tarde e depois terá de ir.

Ela concordou, tomamos café juntas, entreguei a ela um pouco do meu pranto e assim que anoiteceu ela se foi. No café, falamos de amor, de problemas sem resolução, de saudade. Quanto mais eu chorava mais ela se interessava pela minha dor. Eu dei a ela também a minha dor. Assim que entreguei o embrulho ela colocou na bolsa como quem guarda uma lembrança e se foi. Nunca foi fácil recebê-la e, embora essas conversas sejam difíceis aprendi a gostar da Tristeza de um jeito que considero saudável. Digo isso porque houve uma época em que eu achava legal ser triste. Depois entendi que pra mim não era...

Bem, isso não significa que sou a porta bandeira da Alegria. Ao contrário, acho estranho quem gosta de afirmar que é feliz. Aqueles que o tempo todo forjam esse sentimento para bancar uma suposta superioridade.

A charmosa senhora Tristeza e nossas conversas me levaram a entender coisas imprescindíveis sobre como levar a vida de forma consciente.  Sacar que a ausência do Medo faz com que as visitas dela se deem com menos frequência foi uma delas. Entender que alegria ou felicidade o tempo todo além de não ensinar nada te torna um sujeito patético foi outra. Foi então que decidi parar com esse negócio de espantar a Tristeza e, ao invés disso, procuro saber o que ela quer. Coloco os meus limites na mesa e a relação segue sem prejuízo pra nenhum dos lados.

Não caia no conto da felicidade eterna e sem limites, sinta a sua devagar e conscientemente, sem pressa de chegar a um fim. Perceba que há outras coisas a serem sentidas, ruminadas mesmo, outros sentimentos... Sinta, sinta até onde conseguir e abandone o barco quando achar que é preciso.  A busca histérica por alegria e prazer não passa de uma bobagem que te coloca bem longe da tranquilidade, dos seus objetivos.  Vamos ser felizes e tristes, vamos ser de verdade. Histeria é bobagem.

22/05/2014

Desce mais uma


Por Priscila Virginio

Os dias andam tristes. 
As pessoas cada dia mais egoístas. 
Os muros cada vez mais altos.
 A cidade mais vazia de vida.
Os alimentos envenenados.
A classe média quer viver em seu sonho absurdo desnudado pelos comerciais de margarina.
Querem viver trancados em condomínios de luxo com seus filhinhos. Os meninos de azul e as meninas de rosa.
Ah, e o cachorro de raça compradinho no shopping.
Andar na rua e usar transporte público só vale se for na Europa porque é chique. 
Família é só modelo casal hétero e filhos. 
Beleza é só a da mulher branca e magra.
Religião é só a cristã católica ou a protestante. 
O mundo e a cidade são para os jovens. Os velhos a gente tranca em algum canto, afinal já não servem para nada.
Legal é usar o facebook para incitar ódio, compartilhar mentiras e dizer que tudo desde a dor de barriga desta manhã até a caspa da sua cabeça é culpa do PT. 
Na TV as grandes corporações defendem interesses próprios e chamam isso de informação, de prestação de serviço. Você está ai trancado, o seu carro na garagem com alarme. Você acredita no que diz a TV porque não vive a cidade, porque é essa jogada, sacou? Eles te põe medo, carga horária apertada no trabalho e te vendem sonhos consumistas. Aí você não vê, não vive a vida e crê nas histórias que eles te contam. 
Gostaria descer, mas o trem não pára. Sigo olhando pela janela e bebo quando tudo fica insuportável.