28/09/2010

As pequenas mortes

 

Quando a morte bateu à minha porta pela primeira vez, eu tinha pouco mais de dez anos de idade. A notícia chegara por telefone: meu tio e padrinho Antônio Rocha, muito querido por todos nós lá de casa, sofrera um acidente automobilístico e veio a morrer no hospital. O impacto assustador provocado no menino amedrontado seria apenas o prenúncio do que a vida, infelizmente, ainda me reservava.

A “indesejada” tinha para mim, então, um sentido sobrenatural, não fosse ela a mais natural consequência para quem vive. Confesso que hoje já não a temo, não por coragem ou por persegui-la, mas porque já compreendi que o mal maior está na saudade que nos deixam os nossos mais queridos quando não podemos mais tocá-los e beijá-los.

São essas as nossas pequenas mortes interiores, que vão se acumulando ao longo da nossa existência. Quando aqueles que amamos partem, os que ficam também morrem um pouco junto. E numa equação que me parece desigual, se levam com eles algo precioso do que fomos, deixam conosco, também, um pedaço do que foram nas nossas vidas.

Por não crer na vida eterna, entendo que nós nos perpetuamos na essência dos que nos amam – e, por isso, continuarão a nos guardar nas suas melhores lembranças quando aqui já não estivermos.

Morrer um pouco a cada dia é o destino da nossa vida biológica; sofrer as pequenas mortes é a pena que paga a nossa alma pela perda dos inconfundíveis e insubstituíveis afetos. Morremos com eles na mesma intensidade com que os amamos. (Viver é também sobreviver às ausências mais sentidas, reinventar-se sem o gozo da companhia que tanta falta nos faz.)

Costumo dizer aos que trago no peito, em tom de blague – mas com sincera esperança-, que prefiro me despedir antes que algum deles resolva assumir a dianteira. Perder um amigo ou um ente querido é a dor mais devastadora que pode atingir os que mantêm viva a alma, mesmo quando já são tantas as cicatrizes.

De uma coisa estou convencido: a morte definitiva só acontece para aqueles que não deixam saudade. Estes, certamente, não viveram a experiência única de terem sido amados, o que significa – ao fim e ao cabo – que não souberam o que é amar. 

Por Ricardo Mota