24/12/2015

Star Wars: o despertar da nostalgia

Por Cora Ronai

Em 1978, quando "Guerra nas estrelas" chegou finalmente ao Brasil, nenhum de nós, espectadores, imaginava que estava assistindo ao nascimento da maior mitologia contemporânea. Na verdade, naquela época pré-internet, levamos muito tempo sem nem ao menos saber ao certo como traduzir "Star wars".  Guerras das estrelas? Guerra de estrelas? Guerras da estrela? Tudo o que sabíamos, além dos contornos da história e do elenco, é que aquela ficção científica era o maior sucesso de bilheteria de todos os tempos. Como nada faz tanto sucesso quanto o sucesso, "Guerra nas estrelas" -- como o filme foi, afinal,  oficialmente chamado, sem número e sem subtítulo -- chegou com imenso alarde, e com filas ainda maiores. Não esqueço da ansiedade com que corri para o cinema depois do trabalho, num dos primeiros dias de exibição, preocupada em não encontrar lugar; nem esqueço do assento horrível em que fiquei, na lateral de uma lateral, mas ainda assim absurdamente feliz de ter conseguido entrar.

Na madrugada da última quinta-feira, passados 37 anos, me lembrei muito daquele primeiro contato com a galáxia de George Lucas. Assim que a venda de ingressos para a pré estreia de "O despertar da força" foi liberada, ainda em outubro, corri para o computador, mas não rápido o suficiente para garantir lugar num cinema perto de casa. Depois de pesquisar uma quantidade desalentadora de salas lotadas, descobri uma única poltroninha  solitária na última fila de um cinema em Botafogo. Para mim, estava ótimo -- tão bom quanto a lateral da lateral do Cine Brasília. Eu não havia mesmo conseguido convencer ninguém a me fazer companhia no cinema aos cinco minutos de um dia de semana.

Muitas coisas mudaram entre aquela primeira estreia e essa última. A série -- ou a franquia, vá lá -- não se chama mais "Guerra nas estrelas", e sim "Star Wars", seja aqui, seja na França, na Dinamarca ou onde mais seja exibida. Conhecemos o seu universo em detalhes. Sabemos tudo, ou quase tudo, a respeito das principais personagens. Estamos familiarizados com a paisagem dos planetas e com a trilha sonora, identificamos o modelo das naves e os tipos de armas. Temos camisetas e bonés Star Wars, canecas Star Wars, posters Star Wars, bonequinhos Star Wars. Assistimos a vários trailers em nossos smartphones e computadores sem depender dos cinemas. E, claro, já saímos de casa com os lugares marcados (o que talvez explique porque, atualmente, a fila da pipoca é sempre maior do que a da bilheteria; mas isso são outros quinhentos).

Como eu esperava, a pré estreia de "Star Wars -- o despertar da força" foi um acontecimento. Havia alguns jedis, um ou dois Darth Vaders, um Luke, uma Leia, camisetas temáticas aos montes, sabres de luz. E havia, acima de tudo, a emoção de quem ama num momento de reencontro ansiosamente aguardado.

Foi lindo, de verdade.

Quando voltei a ver o filme, na segunda passada, a plateia já era outra. Ninguém gritou quando Han Solo e Chewbacca apareceram, nem houve aplausos no final. Fiquei com pena. Eu teria gritado e aplaudido novamente.

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Não sei se "O despertar da força" é mesmo, como me parece agora, o melhor "Star wars" até aqui: preciso rever os anteriores para poder afirmar isso com absoluta certeza. É possível que parte do meu entusiasmo venha da alegria de ter encontrado exatamente a história que eu queria, ao mesmo tempo diferente e igual, familiar e desconhecida. Se o primeiro filme -- aquele, de 1977 -- tinha o trunfo da originalidade, este tem o da nostalgia: com ele voltamos para casa, para o "Guerra nas estrelas" que amávamos e que, de alguma maneira, se perdeu com as confusas prequels de 1999, 2002 e 2005.

Já nas primeiras cenas fica claro que esta é a continuação pela qual estávamos esperando desde "O retorno de Jedi", de 1983. Os personagens que conhecemos então envelheceram junto conosco: nós sabemos que  30 anos se passaram não porque as folhas de um calendário foram levadas pelo vento, como nos antigos filmes de Hollywood, ou porque algum gênio do make transformou a fisionomia dos atores, mas porque, de fato, 30 anos se passaram. Eles podem ser contados um por um nos rostos de Han Solo, de Luke e da princesa Leia; eles podem ser contados nos nossos rostos. Vai ser muito difícil para qualquer filme, nesta ou em qualquer outra galáxia, superar essa extraordinária passagem de tempo.

É claro que essa viagem paralela e emocionante à juventude da minha geração não passa de simples curiosidade para quem está chegando agora; ainda assim, "O despertar da força" tem qualidades suficientes para conquistar legiões de novos fãs para a saga. O filme tem roteiro e direção fantásticos, atores carismáticos, ação, emoção e humor, cenas lindas, paisagens deslumbrantes e uma quantidade de personagens divertidas, entre elas um androide capaz de disputar com R2D2 o título de robô mais engraçadinho de todos os tempos. Last but not least, tem também um final arrebatador, que deixa tudo pronto para o próximo episódio.

Mal posso esperar!

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Feliz Natal, pessoas: que a força esteja com vocês.

(O Globo, Segundo Caderno, 24.12.2015)

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