06/03/2009

Guerra é guerra!

Ronaldo Correia de Brito
Do Recife (PE)

No tempo do saudoso jornal carioca O Pasquim, quando era questão de honra para o cara ser válido, lúcido e inserido no contexto andar com o jornalzinho (me perdoe, turma, pelo diminutivo) debaixo do braço, se o jornaleco (outra com que se autodenominavam) estava em baixa, vendendo pouco, tacavam uma briguinha entre paulistas e cariocas, disputas que nunca deram em tapas, mas ajudavam a incrementar as tiragens.

Pensei por esses dias de quarta-feira de cinzas, sem nenhuma ressaca, que já está no tempo de Pernambuco e Bahia, ou se preferirem Recife e Salvador, oficializarem sua disputa pelo título de melhor carnaval brasileiro. Eu, claro, torço pelo Recife. E lá vai a primeira de Antonio Maria:

Sou do Recife com orgulho e com saudade
Sou do Recife com vontade de chorar
O rio passa levando barcaças pro auto do mar
Em mim não passa essa vontade de chorar...

Seria uma guerrinha dionisíaca, de confetes e serpentinas, sem mortos nem feridos, nada semelhante à Revolução de 1817, feita pelos pernambucanos na companhia da gente da Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas, em que os baianos entraram de traidores e meteram chumbo nos revolucionários. Seria guerra mais para marcha junino/carnavalesca de Morais Moreira:

... bombas
na guerra magia
ninguém matava, ninguém morria
nas trincheiras da alegria o que explodia era o amor...

A Praça Castro Alves pode até ser do povo, como afirmou Caetano Veloso, mas do povo mesmo é o carnaval do Recife, onde ninguém paga ingresso para brincar. E como se brinca desde a virada do ano! Da zona da Mata Norte, chegam os insurgentes caboclos de lança dos maracatus rurais. As lanças cobertas de fitas se elevam no meio dos canaviais como o pendão das canas, brincantes ressuscitados que as moendas dos engenhos e usinas não conseguiram triturar. E os mestres puxam as loas e os chocalhos badalam, badalam, badalam...

É da estrela da tarde
Meu maracatu guerreiro
É da noite é do dia
É do povo brasileiro.

E mais adiante, bem mais adiante, o batuque virado das nações dos maracatus negros, e um pouquinho depois deles Chico Science e a Nação Zumbi da lama ao caos. Multicultural e sem dono, anônimo e com títulos, coletivo e pessoal, caboclinhos, tribos, clubes, blocos, troças, la ursa, bois, burrinhas, escolas de samba, afoxés, o diabo a quatro e os bêbados que nunca conseguem fazer um quatro aí que eu quero ver, é o carnaval do Recife, de Pernambuco nação cultural, terra onde dois rios, o Capibaribe e Beberibe se juntaram para formar o Oceano Atlântico. Acham pouco? Eu acho é pouco! O nome de mais um de mil blocos.

Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon
Cadê teus blocos famosos?
Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos
Apôs-funDos carnavais saudosos...

E nas altas madrugadas da quarta-feira de cinzas, quando alguns brincantes entoam as marchas de Nelson Ferreira, Edgar Morais e Getúlio Cavalcanti, em pontos diversos da cidade ainda se brinca de ser diverso. E enquanto não sai O Bacalhau do Batata, lá no Alto da Sé de Olinda, na Praça do Marco Zero as orquestras e os coros teimam em afirmar que:

É lindo ver o dia amanhecerCom violões e pastorinhas milDizendo vem que o Recife temO carnaval melhor do meu Brasil.

Ronaldo Correia de Brito é médico e escritor. Escreveu Faca e Livro dos Homens.

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