Dia desses, nos fóruns do Recife, um colega chamou-me: Otoniel! Antes de virar gritei: Falcão do Nascimento. Era assim que meu pai respondia se alguém lhe chamasse. Melquisedec! e ele sem olhar de onde vinha o chamado: Pastor do Nascimento.
Eu e papai, no seu aniversário. |
E não sou o privilegiado dos filhos. Todos têm, sem dúvida, muito do caráter de papai. Privilegiados são os primogênitos que conviveram mais com ele. Eu, apenas por tabela, já que aprendi muito também com minhas irmãs e meu irmão.
Ouvia muitos relatos dele ser rígido na educação, muitas vezes ordenando atos que não fazia qualquer sentido à época, mas que hoje sabe-se que, em verdade, Melquisedec era um homem muito à frente de seu tempo.
Melquisedec Pastor do Nascimento |
Hoje, se vivo fosse, papai completaria 100 anos! No box que possuía na Praça do Sebo (que fará quarenta anos em agosto), graças ao movimento por ele liderado perante a prefeitura do Recife, ele ostentava imagens de Padre Cícero, N. Sª. Aparecida, Exu Tranca-Rua, Pomba-Gira e Cabloco Pena Branca. Um pouco de fé mística, afinal, não faz mal a ninguém. É claro que nada disso adiantou quando o velho coração, já combalido de um infarto, deixou de bater em 24 de fevereiro de 2011. Mas, como ele dizia, "sou ateu, graças a deus".
Se quiser saber um pouco mais sobre Melqui, clica aqui.
Muita coisa aconteceu de 2011 pra cá. Aliás em 2011 meu filho, Samuel, tinha 09 anos de idade e pouco conviveu com papai mas, surpreendentemente, são extremamente parecidos. Eu, como papai, "sou ateu, graças a deus", mas se Sam tivesse nascido antes de papai morrer, eu diria que Sam é a reencarnação de Melqui. Nunca vi tão parecido! Os trejeitos, o (mal) humor, a maneira de sentar-se, a rigidez no cumprimento das regras, sempre criticando o que vê de errado, o alto índice de conhecimento geral. Nisso eu até entendo. Papai foi criado praticamente dentro de livrarias, com acesso a todo tipo de informação e Sam tem toda a rede mundial de computadores, à apenas uns cliques.
Eu, Sam e papai |
Pra conhecer um pouco de Sam, tem esse texto aqui, escrito por ele há quatro anos, quando ele tinha 15 anos.
Pois é. Melqui influenciou todos nós, até quem ele quase não conviveu e é isso que faz dele um homem extraordinário. Depois de sua passagem, continua contribuindo com sua genialidade para uma sociedade mais justa e fraterna.
Como dito acima, hoje ele faria 100 anos e em fevereiro fará 10 anos do seu falecimento. Mas ainda sinto falta. Sinto falta dele quando vejo pessoas que se acham mais espertas que as outras, que furam filas, que se aborrecem com a fila para idosos, que andam pelo acostamento na estrada por causa de engarrafamento, que jogam lixo na rua, que não acham nada demais trazer clips do trabalho pra casa, que ficam caladas quando recebem o troco errado (para mais, claro), que saqueiam cargas de veículos acidentados, só porque "todo mundo tá saqueando", que não cumprimentam o zelador porque "ele não acrescenta nada".
Evandro. Regina, papai, Laura e eu |
Pra finalizar, uma mensagem dele:
"É preciso ler, é preciso ir aos sebos, santuários de raridades bibliográficas a preço de sebo. Além do mais, é preciso entender que o conceito ideal de cultura é personalizar o indivíduo, desenvolver o raciocínio e a imaginação. Integrá-lo na educação e na cultura, refinar-lhe o espírito. Prepará-lo para a vida".
Saudades de meu pai.